segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Morador de Brasília é um dos nove pacientes de anemia falciforme submetidos a transplante no país

Publicação: 10/02/2010 11:23 Atualização: 10/02/2010 11:36

Foram 38 anos convivendo com a doença. Idas e vindas ao hospital, efeitos colaterais, remédios e mais remédios, e tratamentos sem sucesso. Esse era o dia a dia de Élvis Silva Magalhães, 42 anos, portador de uma forma grave de anemia falciforme. Por mais de três décadas, a doença não deu trégua. Nenhum tipo de terapia disponível funcionou, e não havia esperança de que ele pudesse levar uma vida normal. Até que um tratamento experimental mudou a história de Élvis. Um transplante de medula óssea, doada pelo irmão, salvou sua vida e trouxe de volta sua saúde, libertando-o da doença.


Ainda na infância, no interior de Goiás, surgiram os primeiros sintomas de que a saúde de Élvis não ia bem. Primeiro, vieram as crises de dor, a dificuldade de crescimento, os olhos amarelos. O diagnóstico, que em meados da década de 1970 nenhum médico conseguia dar, veio de Brasília, para onde a família se mudou por causa da saúde frágil do garoto. Era anemia falciforme, uma doença sem cura e que, até então, era pouco conhecida.

O mal não era apenas físico, mas psicológico. Impossibilitado de fazer várias atividades, Élvis foi se tornando cada vez mais solitário. “Eu achava que era a única pessoa do mundo com a doença, me sentia diferente de todos, não podia tomar sol, passar frio, tudo para mim era diferente, e isso me chateava muito”, contou. Para tentar lidar melhor com a solidão e com a doença que o afastava do convívio social, ele se entregou à poesia. “Foi assim que escrevi meu primeiro livro, eram poemas em que eu tentava verbalizar o mundo em que eu vivia, o que se passava dentro de mim”, explicou.

E assim, afastado do mundo, ele passou a infância, a adolescência, e chegou à vida adulta. Novos tratamentos surgiam, mas pouco efeito faziam em Élvis. “Quando eu comecei a fazer acompanhamento no Hospital Universitário, inicei o uso de um medicamento à base de hidroxiureia, que é até hoje o que mais dá resultado, mas para surpresa dos médicos nem isso surtiu efeito”, relembrou. “Por isso, o meu caso era quase que sem tratamento. Eu tinha que conviver com todos os sintomas, crises que me deixavam hospitalizado frequentemente, que me impediam de trabalhar e nada podia ser feito”, assinalou.

A esperança veio em 1997, quando, em um simpósio sobre anemia falciforme, surgiu a possibilidade se tentar um novo tratamento, por meio de um transplante de medula óssea, semelhante aos que são feitos em pacientes com leucemia. Apesar de promissora, a terapia esbarrava em dois problemas. Era preciso encontrar um doador compatível, cujas chances dentro da família são de 25%. O outro problema era a idade de Élvis, que tinha quase 30 anos. O transplante só havia sido feito em pacientes com até 16 anos.

Só em 2005 o médico Júlio César Voltarelli concordou em fazer o transplante em Élvis. “Ele só aceitou porque era a única alternativa. Se não fosse feito algo eu não duraria muito tempo”, relembra o paciente. O doador veio da própria família: Elder Silva Magalhães, o irmão mais novo, era compatível. “Eu via todo o sofrimento do meu irmão e sempre ficava pensando comigo mesmo se haveria alguma maneira de ajudá-lo. Por isso, quando o exame de compatibilidade deu positivo eu não pensei duas vezes”, conta Elder.

A ligação entre os irmãos se tornou ainda mais forte. “É muito recompensador pensar que um pedaço seu pode ajudar tanto uma pessoa. A vida dele mudou com o transplante”, afirma Elder. “Nem todo o dinheiro do mundo é capaz de pagar o que o meu irmão fez para mim. Foi um gesto de amor muito grande”, completa o agora transplantado Élvis. O procedimento ocorreu com sucesso. O morador de Brasília, que é o paciente mais velho em todo o mundo a passar pelo transplante, hoje vê a vida de privações e solidão distante. “Nunca mais tive nenhum problema. Minha vida é outra. A medula nova me deu algo que eu nunca tive: uma vida comum.”

Caráter experimental
Desfechos como o de Élvis são raríssimos. Até hoje, apenas oito pacientes em todo o país se beneficiaram desse tipo de transplante. De acordo com Voltarelli, hematologista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto — um dos únicos que realiza o procedimento —, o tratamento é recomendado apenas para casos em que o paciente não responde a outras terapias. “Um transplante é algo muito agressivo, nós matamos toda a medula óssea do paciente antes de botar a nova. Nesse meio tempo, ele corre risco de morte. Por isso, seu uso não pode ser expandido para qualquer caso”, explico o médico.


Élder (E) doou a medula para salvar o irmão, Élvis Magalhães: "Foi um gesto de amor muito grande"
No Brasil, a terapia ainda é feita em caráter experimental. Isso porque, segundo o médico, o Sistema Único de Saúde (SUS) não reconhece a anemia falciforme no rol das doenças transplantáveis. “É uma patologia com frequência altíssima e ocorre principalmente na parcela mais pobre da população. Se houvesse uma liberação do transplante pelo SUS, não há dúvida de que centenas de pessoas poderiam ser beneficiadas”, destacou.

O entendimento do médico é o mesmo da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (SBHH). De acordo com Clarice Lobo, diretora do Hemocentro do Rio de Janeiro (Hemo-Rio) e membro da SBHH, o transplante é largamente realizado em outros países e não há motivo para também não ser feito em pacientes brasileiros. “Na Itália e Estados Unidos, esse tratamento já é empregado há anos, com uma taxa de sobrevida de 85%”, disse Clarice Lobo.

Procurado pelo Correio, o Ministério da Saúde informou, por meio de sua assessoria, que o procedimento não é coberto pelo SUS pois não há pesquisas suficientes sobre a terapia com células tronco. “Os estudos publicados ainda não apresentam nível de evidência que recomende a disponibilização deste procedimento de forma irrestrita. As experiências — tanto em nível nacional, quanto internacional — ainda são bastante limitadas”, assinalou o ministério.

Sobre a possibilidade de inclusão da anemia falciforme do grupo das doenças transplantáveis, o ministério informou que, para que isso ocorra, novas pesquisas nacionais devem ser feitas. Além disso, deverá ser analisado o impacto financeiro do procedimento no sistema público de saúde. “É preciso comprovação científica sobre a eficácia e a segurança de tais propostas antes de torná-las disponíveis para o conjunto da população, além da avaliação dos custos e fontes de financiamento”, especificou a assessoria do MS.

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